Confundido
com birra ou rebeldia, transtorno causa grande prejuízo social e
acadêmico em crianças e adolescentes
Crianças
são naturalmente agitadas, tem momentos de teimosia, desafiam pais e
até professores e outros adultos com quem convivem. Até aí, tudo
normal. Cabe a família impôr limites e estabelecer regras, à
escola cabe reforçá-las e fazer com que sejam respeitadas. Mas,
quando os pais e os professores não conseguem controlar os excessos
no comportamento de algumas crianças é preciso ajuda médica e
psicológica pois o problema pode ser o Transtorno Opositivo
Desafiador (TOD).
De acordo
com o neuropediatra Clay Brites, um dos fundadores do Instituto
NeuroSaber, o transtorno é o excesso de um traço de comportamento
inadequado. Resulta da união de fatores genéticos com fatores
ambientais desajustados. Entre os transtornos mais comuns na infância
e adolescência está o Transtorno Opositivo Desafiador. “O TOD é
uma condição que leva a comportamentos altamente restritivos por
gerar na criança e no adolescente acessos de raiva exagerados,
sentimentos de vingança, dificuldade em seguir regras e conselhos de
outras pessoas, especialmente pais e autoridades.”, explica Brites.
O transtorno costuma aparecer nos primeiros sete anos de vida e a
incidência é um pouco maior em meninos. Segundo
levantamentos, ele pode se manifestar entre 2% e 16% das crianças em
idade escolar.
O
neuropediatra ressalta que, na maioria das vezes, o diagnóstico de
TOD não vem sozinho, estando frequentemente associado ao Transtorno
de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) ou ao Transtorno do
Espectro Autista (TEA). Por seus sintomas causar muitos problemas
sociais, é mais comum a família buscar ajuda médica quando o TOD
se manifesta. “Normalmente o TOD é apenas a ponta do iceberg do
problema que pode estar em comorbidade com o TDAH ou TEA, ou mesmo os
três juntos.”, explica. O Transtorno Bipolar do Humor (TBH) e o
Transtorno de Conduta (TC) também podem estar associados ao TOD.
Conforme o
estudo Origem
e manutenção do comportamento agressivo na infância e
adolescência,
o diagnóstico de TOD tem sido um preceptor importante para a
evolução do problema ao Transtorno de Conduta, sugerindo que haja
um contínuo entre estas duas patologias. As condutas das crianças
com TOD são menos severas do que aquelas apresentadas no TC. Elas
não incluem agressão a pessoas ou animais, destruição de
propriedades ou um padrão de furto ou defraudação.
A
psiquiatra especialista em psiquiatria da infância e adolescência,
Rachel Rodrigues Cavalcante, conta que na maioria das vezes os pais
procuram um psiquiatra ou neurologista para os filhos porque são
encaminhados pela escola. “Mas, em alguns casos, os pais procuram
ajuda sozinhos por não saber mais o que fazer para controlar os
filhos.”, explica.
Rachel
revela que muitos pais chegam ao consultório, esperançosos de que
alguma medicação vai fazer uma mágica para a criança melhorar e
que seja tudo muito simples, mas que essa não é a realidade do TOD,
pois este é um transtorno muito melhor atendido pela terapia com
psicólogo. “Fazemos um trabalho de orientação dos pais. Quando o
paciente vem, precisamos avaliar se é só um Transtorno Opositivo
Desafiador ou se tem um outro transtorno associado.”, explica
destacando que, em cerca de 50% dos casos de TOD, existe a
coexistência do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade,
e que, neste caso, é necessário tratamento medicamentoso.
Sintomas
Conforme a
psicóloga, Renata de Moura Guedes, especialista em neuropsicologia e
psicoterapia analítico-comportamental, as características mais
comuns nas crianças e adolescentes com TOD são as seguintes:
1. Perde a
calma com frequência;
2. Sente-se
incomodado;
3.
Ressente-se com frequência;
4.
Questiona figuras de autoridade (pais, professores, avós);
5. Desafia
ou se recusa a obedecer regras ou pedidos de figuras de autoridade;
6.
Frequentemente incomoda outras pessoas;
7. Culpa
outras pessoas por seus erros ou mau comportamento;
8. É malvado ou vingativo.
“Esses
sintomas são comuns na infância. A criança pode apresentar
comportamento desafiador e opositor quando está com fome, cansada,
estressada ou chateada, mas eles tendem a diminuir e desaparecer com
o passar do tempo. O que não acontece nas crianças que apresentam o
transtorno.”, explica. Para desconfiar que a criança tem TOD e que
não é só uma fase ou birra, os pais devem observar pelo menos
quatro destes sintomas citados, que devem persistir por, pelo menos,
seis meses e causar prejuízo social e acadêmico significativo.
Causa e
tratamento
De acordo
com os profissionais entrevistados, o Transtorno Opositivo Desafiador
pode ter tanto causa genética, como ambiental. Crianças que
convivem com pessoas agressivas ou que possuem problemas com drogas,
famílias muito permissivas ou rígidas demais, crianças que apanham
ou sofrem violência sexual estão mais propensas a desenvolver o
transtorno.
O
tratamento para o TOD é feito por uma rede multidisciplinar composta
pelos pais ou cuidadores, escola, psicopedagogo, psicólogo,
psiquiatra ou neurologista infantil que devem estar em total sintonia
para discutir seus avanços. Quando necessário, a criança pode
receber medicamento para controlar a raiva ou outros transtornos que
podem estar associados. A
terapia é fundamental tanto para a criança com TOD, quanto para a
família, que precisa aprender o manejo comportamental ideal para
seus filhos e também necessita de
equilíbrio para lidar com a situação.
De acordo
com a psicóloga Ellen Morais Senra, especialista
em terapia cognitivo-comportamental, dos
7 aos 12 anos é onde ficam mais evidente os sinais de TOD, e a
criança começa a ter prejuízos sociais maiores. “Essa oposição
não ocorre com qualquer pessoa. Normalmente ela aparece com as
pessoas de maior autoridade na vida da criança ou do adolescente.
Para direcionar a raiva que vem junto é necessário uma
psicoeducação do transtorno para então haver um treino
comportamental”, esclarece.
A psicóloga
Lívia Marques explica como trabalha o comportamento da raiva na
terapia. “No consultório eu uso fantoches do filme Divertidamente
para trabalhar a educação das emoções. É preciso fazer com que
eles entendam como se dá este contato. Como é que sentem a raiva,
qual é o gatilho para que a raiva aconteça e, quando acontecer, tem
que parar e pensar para depois agir, limitando assim a impulsividade.
Trabalho com a tristeza porque eles têm problemas graves com a
frustração. Com a alegria, com o medo que são sentimentos que eles
nem conhecem e nem sentem porque são tão impulsivos que agem de uma
hora para a outra”, revela.
A escola
tem um papel muito importante no tratamento da criança com TOD.
Segundo a psicopedagoga Ester Chapiro, especialista em orientação
educacional, “o acolhimento é fundamental, a parceria direta com
os responsáveis e com os profissionais que estão atuando para
integrar cada vez mais esse aluno dentro de um contexto social é
muito importante.”. A
psicopedagoga observa que quando os alunos com TOD começam a chegar
na adolescência percebem uma necessidade maior de aceitação no
grupo. “Eles acreditam que não são bons o suficiente para ter
amigos e começam a dar problema. Vem uma fúria desafiadora que
muitas vezes é incontrolável.”, ressalta.
Os
especialistas dão algumas dicas importantes para lidar com a criança
que possui o transtorno. Deixar as regras bem claras é fundamental;
evitar castigo corporal; valorizar os melhores comportamentos da
criança, e não só apontar as falhas. Isso melhora a auto-estima
dela e o relacionamento, que é bastante conturbado; colocar a
criança para praticar esporte coletivo também é uma boa opção,
pois neles existem regras claras e ela vai aprendendo a respeitá-las.
A
história de quem passou pelo problema
Mãe de
Gabriel, 13 anos, Carla Huppers, de Cascavel (PR), descobriu que o
filho tinha TOD aos 4 anos. “Ele era muito opositivo e não
socializava com outras crianças”, explica, lembrando que, na
época, para que o filho obedecesse, as ordens tinham que ser dadas
ao contrário, pois ele era sempre do contra.
Quando o
diagnóstico foi dado, Carla teve muita dificuldade porque não tinha
conhecimento do problema que era pouco divulgado, e não havia
medicamento que resolvesse, já que não tinha outro transtorno
associado. Ela
explica que os pais de crianças com TOD sofrem muito com a rejeição
dos filhos e fala da importância de buscar ajuda. “Não é uma
solução milagrosa. É um acompanhamento conjunto, até porque mexe
com a estrutura familiar. Foram cinco anos sem sucesso no tratamento.
Neste período meu filho mudou seis vezes de escola porque elas não
estão preparadas para lidar com este transtorno.”, lamenta.
Apenas
quando resolveu procurar ajuda em terapias alternativas, aliada com o
tratamento médico e terapia com psicólogo que já estavam em
andamento, que os efeitos começaram a aparecer. “Foi só quando
passamos a olhar para nós, pais, que o tratamento começou a dar
resultados. É muito importante tratar os pais psicologicamente para
que a gente possa se estruturar e lidar com o filho.”, explica
Carla.
Depois de
nove anos tratando o TOD, Carla conta que a socialização do filho
melhorou 100%. O tratamento continua apenas com terapia, a alta
médica já foi dada.
“É importante que os pais que estão passando por esse problema
saibam que existe, sim, uma luz no fim do túnel. O importante é
procurar ajuda e não desanimar.”, orienta.
Números
do TOD
Embora
não seja um problema simples, pois o tratamento é longo e requer
muita paciência e persistência da família e da escola, os números
são animadores. As características do TOD desaparecem em 65% das
crianças e adolescentes que recebem o tratamento adequado.
No entanto,
quando o problema não tem a devida atenção e providências, pode
evoluir para outros quadros como: baixo rendimento escolar, problemas
de aprendizagem, Transtorno de Conduta, aumento da agressividade,
transgressão das regras, abuso com bebidas ou drogas e aumento do
comportamento antissocial.
Estudos
mostram que cerca de 30% das crianças diagnosticadas com TOD
evoluirão para o Transtorno de Conduta na adolescência. Já, quando
o TOD não é tratado, esse índice sobe para 75% dos casos.
Matéria publicada no jornal Gazeta do Povo
http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/problemas-de-comportamento-na-escola-podem-ser-indicios-de-tod-4zd8yp00bawgn4ywosqbqo4uk
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