terça-feira, 13 de março de 2018

Excesso de teimosia e dificuldade de seguir regras podem ser sintomas de TOD

Confundido com birra ou rebeldia, transtorno causa grande prejuízo social e acadêmico em crianças e adolescentes


Crianças são naturalmente agitadas, tem momentos de teimosia, desafiam pais e até professores e outros adultos com quem convivem. Até aí, tudo normal. Cabe a família impôr limites e estabelecer regras, à escola cabe reforçá-las e fazer com que sejam respeitadas. Mas, quando os pais e os professores não conseguem controlar os excessos no comportamento de algumas crianças é preciso ajuda médica e psicológica pois o problema pode ser o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD).

De acordo com o neuropediatra Clay Brites, um dos fundadores do Instituto NeuroSaber, o transtorno é o excesso de um traço de comportamento inadequado. Resulta da união de fatores genéticos com fatores ambientais desajustados. Entre os transtornos mais comuns na infância e adolescência está o Transtorno Opositivo Desafiador. “O TOD é uma condição que leva a comportamentos altamente restritivos por gerar na criança e no adolescente acessos de raiva exagerados, sentimentos de vingança, dificuldade em seguir regras e conselhos de outras pessoas, especialmente pais e autoridades.”, explica Brites. O transtorno costuma aparecer nos primeiros sete anos de vida e a incidência é um pouco maior em meninos. Segundo levantamentos, ele pode se manifestar entre 2% e 16% das crianças em idade escolar.

O neuropediatra ressalta que, na maioria das vezes, o diagnóstico de TOD não vem sozinho, estando frequentemente associado ao Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) ou ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). Por seus sintomas causar muitos problemas sociais, é mais comum a família buscar ajuda médica quando o TOD se manifesta. “Normalmente o TOD é apenas a ponta do iceberg do problema que pode estar em comorbidade com o TDAH ou TEA, ou mesmo os três juntos.”, explica. O Transtorno Bipolar do Humor (TBH) e o Transtorno de Conduta (TC) também podem estar associados ao TOD.

Conforme o estudo Origem e manutenção do comportamento agressivo na infância e adolescência, o diagnóstico de TOD tem sido um preceptor importante para a evolução do problema ao Transtorno de Conduta, sugerindo que haja um contínuo entre estas duas patologias. As condutas das crianças com TOD são menos severas do que aquelas apresentadas no TC. Elas não incluem agressão a pessoas ou animais, destruição de propriedades ou um padrão de furto ou defraudação.
A psiquiatra especialista em psiquiatria da infância e adolescência, Rachel Rodrigues Cavalcante, conta que na maioria das vezes os pais procuram um psiquiatra ou neurologista para os filhos porque são encaminhados pela escola. “Mas, em alguns casos, os pais procuram ajuda sozinhos por não saber mais o que fazer para controlar os filhos.”, explica.
Rachel revela que muitos pais chegam ao consultório, esperançosos de que alguma medicação vai fazer uma mágica para a criança melhorar e que seja tudo muito simples, mas que essa não é a realidade do TOD, pois este é um transtorno muito melhor atendido pela terapia com psicólogo. “Fazemos um trabalho de orientação dos pais. Quando o paciente vem, precisamos avaliar se é só um Transtorno Opositivo Desafiador ou se tem um outro transtorno associado.”, explica destacando que, em cerca de 50% dos casos de TOD, existe a coexistência do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, e que, neste caso, é necessário tratamento medicamentoso.

Sintomas
Conforme a psicóloga, Renata de Moura Guedes, especialista em neuropsicologia e psicoterapia analítico-comportamental, as características mais comuns nas crianças e adolescentes com TOD são as seguintes:
1. Perde a calma com frequência;
2. Sente-se incomodado;
3. Ressente-se com frequência;
4. Questiona figuras de autoridade (pais, professores, avós);
5. Desafia ou se recusa a obedecer regras ou pedidos de figuras de autoridade;
6. Frequentemente incomoda outras pessoas;
7. Culpa outras pessoas por seus erros ou mau comportamento;
8. É malvado ou vingativo.

“Esses sintomas são comuns na infância. A criança pode apresentar comportamento desafiador e opositor quando está com fome, cansada, estressada ou chateada, mas eles tendem a diminuir e desaparecer com o passar do tempo. O que não acontece nas crianças que apresentam o transtorno.”, explica. Para desconfiar que a criança tem TOD e que não é só uma fase ou birra, os pais devem observar pelo menos quatro destes sintomas citados, que devem persistir por, pelo menos, seis meses e causar prejuízo social e acadêmico significativo.

Causa e tratamento

De acordo com os profissionais entrevistados, o Transtorno Opositivo Desafiador pode ter tanto causa genética, como ambiental. Crianças que convivem com pessoas agressivas ou que possuem problemas com drogas, famílias muito permissivas ou rígidas demais, crianças que apanham ou sofrem violência sexual estão mais propensas a desenvolver o transtorno.
O tratamento para o TOD é feito por uma rede multidisciplinar composta pelos pais ou cuidadores, escola, psicopedagogo, psicólogo, psiquiatra ou neurologista infantil que devem estar em total sintonia para discutir seus avanços. Quando necessário, a criança pode receber medicamento para controlar a raiva ou outros transtornos que podem estar associados. A terapia é fundamental tanto para a criança com TOD, quanto para a família, que precisa aprender o manejo comportamental ideal para seus filhos e também necessita de equilíbrio para lidar com a situação.
De acordo com a psicóloga Ellen Morais Senra, especialista em terapia cognitivo-comportamental, dos 7 aos 12 anos é onde ficam mais evidente os sinais de TOD, e a criança começa a ter prejuízos sociais maiores. “Essa oposição não ocorre com qualquer pessoa. Normalmente ela aparece com as pessoas de maior autoridade na vida da criança ou do adolescente. Para direcionar a raiva que vem junto é necessário uma psicoeducação do transtorno para então haver um treino comportamental”, esclarece.
A psicóloga Lívia Marques explica como trabalha o comportamento da raiva na terapia. “No consultório eu uso fantoches do filme Divertidamente para trabalhar a educação das emoções. É preciso fazer com que eles entendam como se dá este contato. Como é que sentem a raiva, qual é o gatilho para que a raiva aconteça e, quando acontecer, tem que parar e pensar para depois agir, limitando assim a impulsividade. Trabalho com a tristeza porque eles têm problemas graves com a frustração. Com a alegria, com o medo que são sentimentos que eles nem conhecem e nem sentem porque são tão impulsivos que agem de uma hora para a outra”, revela.

A escola tem um papel muito importante no tratamento da criança com TOD. Segundo a psicopedagoga Ester Chapiro, especialista em orientação educacional, “o acolhimento é fundamental, a parceria direta com os responsáveis e com os profissionais que estão atuando para integrar cada vez mais esse aluno dentro de um contexto social é muito importante.”. A psicopedagoga observa que quando os alunos com TOD começam a chegar na adolescência percebem uma necessidade maior de aceitação no grupo. “Eles acreditam que não são bons o suficiente para ter amigos e começam a dar problema. Vem uma fúria desafiadora que muitas vezes é incontrolável.”, ressalta.
Os especialistas dão algumas dicas importantes para lidar com a criança que possui o transtorno. Deixar as regras bem claras é fundamental; evitar castigo corporal; valorizar os melhores comportamentos da criança, e não só apontar as falhas. Isso melhora a auto-estima dela e o relacionamento, que é bastante conturbado; colocar a criança para praticar esporte coletivo também é uma boa opção, pois neles existem regras claras e ela vai aprendendo a respeitá-las.

A história de quem passou pelo problema

Mãe de Gabriel, 13 anos, Carla Huppers, de Cascavel (PR), descobriu que o filho tinha TOD aos 4 anos. “Ele era muito opositivo e não socializava com outras crianças”, explica, lembrando que, na época, para que o filho obedecesse, as ordens tinham que ser dadas ao contrário, pois ele era sempre do contra.

Quando o diagnóstico foi dado, Carla teve muita dificuldade porque não tinha conhecimento do problema que era pouco divulgado, e não havia medicamento que resolvesse, já que não tinha outro transtorno associado. Ela explica que os pais de crianças com TOD sofrem muito com a rejeição dos filhos e fala da importância de buscar ajuda. “Não é uma solução milagrosa. É um acompanhamento conjunto, até porque mexe com a estrutura familiar. Foram cinco anos sem sucesso no tratamento. Neste período meu filho mudou seis vezes de escola porque elas não estão preparadas para lidar com este transtorno.”, lamenta.

Apenas quando resolveu procurar ajuda em terapias alternativas, aliada com o tratamento médico e terapia com psicólogo que já estavam em andamento, que os efeitos começaram a aparecer. “Foi só quando passamos a olhar para nós, pais, que o tratamento começou a dar resultados. É muito importante tratar os pais psicologicamente para que a gente possa se estruturar e lidar com o filho.”, explica Carla.

Depois de nove anos tratando o TOD, Carla conta que a socialização do filho melhorou 100%. O tratamento continua apenas com terapia, a alta médica já foi dada. “É importante que os pais que estão passando por esse problema saibam que existe, sim, uma luz no fim do túnel. O importante é procurar ajuda e não desanimar.”, orienta.

Números do TOD

Embora não seja um problema simples, pois o tratamento é longo e requer muita paciência e persistência da família e da escola, os números são animadores. As características do TOD desaparecem em 65% das crianças e adolescentes que recebem o tratamento adequado. 
No entanto, quando o problema não tem a devida atenção e providências, pode evoluir para outros quadros como: baixo rendimento escolar, problemas de aprendizagem, Transtorno de Conduta, aumento da agressividade, transgressão das regras, abuso com bebidas ou drogas e aumento do comportamento antissocial.


Estudos mostram que cerca de 30% das crianças diagnosticadas com TOD evoluirão para o Transtorno de Conduta na adolescência. Já, quando o TOD não é tratado, esse índice sobe para 75% dos casos. 

Matéria publicada no jornal Gazeta do Povo
http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/problemas-de-comportamento-na-escola-podem-ser-indicios-de-tod-4zd8yp00bawgn4ywosqbqo4uk

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Primeiro post

Excesso de teimosia e dificuldade de seguir regras podem ser sintomas de TOD

Confundido com birra ou rebeldia, transtorno causa grande prejuízo social e acadêmico em crianças e adolescentes Crianças são naturalm...