terça-feira, 13 de março de 2018

Educação e escolarização: confusão entre conceitos atrapalha a vida escolar

Maior proximidade entre família e escola é fundamental para resolver o problema e integrar os papéis

É unanimidade entre os profissionais da área educacional de que existe uma confusão entre os conceitos de educação e escolarização. A educação, de origem do latim educare, tem o significado de guiar, instruir, conduzir, ou seja, levar o indivíduo para o mundo exterior, para fora de si mesmo, empregado no sentido de preparar as pessoas para o mundo e para viver em sociedade. Já a palavra escolarização, de acordo com o dicionário Aurélio, é o ato ou efeito de escolarizar. É o conjunto de conhecimentos adquiridos na escola.

Para a psicóloga especialista em distúrbios de aprendizagem e orientadora educacional do Colégio Salesiano Santa Teresinha, de São Paulo (SP), Ana Tarcitano, a “educação é a formação de uma pessoa, acontece durante toda a vida. É a transferência de valores éticos e morais e é de responsabilidade dos pais. Já a escolarização prepara a pessoa através do conhecimento que garante a aprendizagem na construção do saber.”.

Na mesma linha de pensamento, a pedagoga especialista em educação especial na área de deficiência mental e psicopedagogia clínica e institucional, Luciana Brites, ainda acrescenta a importância de dar bons exemplos. “A gente não é o que fala. É o que faz. A educação se dá através de exemplos. Não adianta ensinar uma coisa e fazer outra totalmente diferente.”, explica. Para Luciana, que é uma das fundadoras do Instituto NeuroSaber, de Londrina (PR), na escolarização, o professor tem o papel de otimizar o aprendizado. “A escola faz parte da educação. Ela reforça a educação parental.”, conclui.

Com 23 anos de experiência na área da educação, a professora pós-graduada em consciência fonológica e tecnologia aplicada à educação, Janaina Spolidorio, define que a educação é um processo bastante longo e complexo. “Todos os eventos que fazem parte da formação de um indivíduo contribuem para sua educação, que na verdade é adaptável ao ambiente. Dependendo do ambiente em que estamos, nos comportamos de maneiras diferentes, temos respostas diferentes para cada situação. Saber adequar o comportamento aos ambientes e situações é o que compõe, basicamente, a educação.”, explica. Já a escolarização refere-se aos saberes escolares, “aqueles que estudamos durante nossos anos na escola. A educação transparece, a todo momento, de modo bastante aparente nas pessoas, em seus comportamentos, mas a escolarização é utilizada quando necessário”, argumenta.

Algumas famílias têm dificuldades de entender o seu papel

Mesmo com toda essa diferença apontada pelos profissionais da educação, ainda existem muitas famílias que não entendem o seu papel na educação dos filhos e acabam transferindo esta tarefa para a escola. Mas porquê isso acontece?

Em suas palestras, o professor, filósofo e escritor Mario Sergio Cortella, afirma que muita gente confunde educação com escolarização. Ele defende que educação é a formação de uma pessoa e que esta é tarefa da família. Enquanto a escolarização é um pedaço da educação e é o papel da escola. Para Cortella, se a família não cumpre o papel que lhe cabe, a escola não dará conta. Ele defende que a escola deve fazer uma parceria com as famílias para formar os pais, pois acredita que uma parcela deles está perdida.

Janaina afirma que as mudanças no acesso à informação e no núcleo familiar das últimas décadas desencadearam uma crise no paradigma educacional. “Vivemos tempos em que a informação é muito rápida e temos um acesso extremamente aberto a tudo. Há algumas décadas, com menos estímulos e com um núcleo familiar mais tradicional, no qual muitas mães ficavam em casa, educar fazia mais parte da tarefa da família.”. Segundo ela, com o passar do tempo, as famílias foram se transformando, se tornando variadas. O avanço da tecnologia, especialmente com a internet, permitiu uma abertura muito grande às informações, trazendo novos comportamentos na sociedade. “Muitos pais não sabem como lidar com diversas questões relacionadas à educação e que devem fazer parte da vida dos filhos. Por falta de um parâmetro, por não saber exatamente o que ensinar, acabam transferindo esta responsabilidade, muitas vezes, para a escola.”, explica.

Para o psicopedagogo, psicanalista e mestre em educação, Daniel Castilhos, “atualmente os pais estão delegando a educação pelo fato de negarem o seu papel neste processo que é intransferível, pois esta função demanda um desgaste psíquico e pressupõe olhar para e si e para este sujeito que está sendo construído.”. Ele exemplifica falando sobre a diferença que tem para um bebê que chora inúmeras vezes à noite ser acolhido pelos pais ou por uma babá. “Os pais podem explicar para o bebê o que ele sente a partir dos seus sentimentos familiares. Possibilitando, assim, que este bebê possa se reconhecer, se filiar a estes pais e produzir a sua identidade”.

Doutora em psicologia escolar e do desenvolvimento humano, Lilian Bacich, fala sob o ponto de vista de mais de 30 anos de experiência como professora e coordenadora: “Acredito que mais do que uma dificuldade de compreensão, vemos a escola também assumindo responsabilidades que são essenciais para que as famílias possam exercer seu papel na sociedade, no mercado de trabalho.”, afirma. Ela explica que as crianças, há 20 ou 30 anos, começavam a frequentar a escola com 6 ou 7 anos. Hoje, entram com 4 meses e, algumas, passam o dia inteiro na instituição. “Será que a escola pode, numa situação dessas, esperar que apenas a família ensine a criança como respeitar e ouvir o colega se, em casa, a criança não convive com pares da mesma faixa etária?”, questiona. “Considero que cada vez mais há uma necessidade de diálogo, entre escolas e famílias para que esses papéis sejam compartilhados no que for preciso e tenham suas especificidades, principalmente em relação aos valores, que são característicos de cada família.”.

Juliano Costa, diretor pedagógico da Pearson Brasil, cita o estudo Behavioural Insights for Education: A practical guide for parents, teachers and school leaders, elaborado pela empresa sobre comportamento escolar e parental. Ele mostra que os ambientes de aprendizagem promovidos pelas famílias no espaço doméstico têm um impacto de até 17% no aprendizado das crianças na escola. “Ambientes mais desafiadores, com um modelo mental focado no crescimento da criança e na responsabilidade por suas ações cotidianas, são extremamente saudáveis para o desenvolvimento infantil e adolescente. Porém, em virtude do preciosismo de algumas famílias, por terem apenas um ou dois filhos, esse tipo de atitude recai completamente sobre a escola.”, lamenta.

As consequências quando há uma falha ou ausência da educação familiar

Para a psicóloga clínica que trabalha com crianças, adolescentes e orientação a família, Fabiana de Laurentis Russo, “a criança entende que limite é cuidado”. Ela defende que a educação que a criança recebe no núcleo familiar com valores, princípios, regras e limites, são extremamente importantes para sua formação. “Quando isso não acontece da maneira adequada começam os problemas: a criança ganha rótulo de ‘criança-problema’, sofre pressão da escola e dos pais, desenvolve uma baixa auto-estima, tem baixo rendimento escolar e piora seu comportamento para chamar atenção. É como um pedido de socorro”, explica.

O mestre em educação e diretor do Colégio Arnaldo Funcionários, de Belo Horizonte/MG, Geraldo Junio dos Santos, explica que quando há falha na educação familiar, a família abdicará do seu papel formador de cidadão, em especial dos valores familiares e culturais próprios de sua história. “O perigo é que o valor, do latim a riqueza, que os filhos levarão consigo não será tão precioso. Ou seja, corre-se o risco da riqueza cultural da família não ser passada para a nova geração e morrer conjuntamente com os progenitores.”. Ele alerta que, desta forma, restará para a nova geração, a construção de seus próprios valores que poderá ser realizada através de outras instituições como a escola, igreja ou apenas pelos amigos, sem falar no risco daqueles que recorrerão ao mundo virtual para responder a sua essência.

Os principais motivos para as falhas na educação familiar

Para Geraldo Junio, o problema maior, está relacionado ao tempo que os pais passam com os filhos. “Trazê-los para fora de si a partir dos valores em que os pais foram educados requer tempo e diálogo permanente e, muitas das vezes, esse período é consumido pelo trabalho. Mas, mesmo assim, a decisão final de colocar a importância nas coisas dentro da vida, os filhos ou o trabalho, é uma decisão dos pais.”.

Ana Tarcitano também acredita que o problema é o tempo e soma a ele a desinformação da família. “As duas coisas estão envolvidas. Na tentativa de diminuir a culpa pela falta de tempo, preferem não entrar em conflitos com os filhos, atendendo as suas vontades. A desinformação também prejudica, pois muitas vezes não sabem ao certo suas funções na formação psicossocial dos filhos.”, explica.

Já, para a psicopedagoga e mestre em educação Daniela Felix Castilhos, a falha na educação familiar é um problema social. “Os pais possuem a informação de que o tempo dedicado aos filhos têm a ver mais com qualidade do que com quantidade. Porém para que se tenha qualidade, há algo de uma disponibilidade pessoal que não é matemática. Não é apenas sentar ao lado do filho e jogar videogame, ou sentar com o filho para fazer os temas, mas sim de transmitir a respeito de como se vive a vida.”, defende.

Qual a solução?

Observa-se que o problema de confundir educação com escolarização existe, é percebido pelos profissionais da educação, mas muitas vezes ignorado pelos pais. Mais do que esclarecer as diferenças entre os dois termos, é preciso ampliar o diálogo da família com a escola para que essa realidade mude. Não se trata de buscar culpados e sim soluções. Os mais prejudicados com o não entendimento correto dos termos são os alunos que, muitas vezes, acabam tendo uma falha na educação que pode trazer prejuízos para a vida inteira.

Para Janaina Spolidorio, a escola pode promover oficinas ou cursos de formação nos quais auxilia os pais a lidarem com suas dúvidas em relação à educação dos filhos ou como proceder para ser parceiro na formação da criança, em relação à escola. Conversas com a família, diálogos mais frequentes sobre valores humanos com os alunos também podem agregar muito valor e resultados positivos. Pensamento semelhante tem Lilian Bacich. Segundo ela a abertura para o diálogo entre educadores e pais é um passo importante para garantir a aproximação e, dentro das especificidades, não ocorrer uma divisão de papéis, mas uma somatória, um compartilhamento de ações para a formação integral dos estudantes.

Matéria publicada no jornal Gazeta do Povo

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