Maior
proximidade entre família e escola é fundamental para resolver o
problema e integrar os papéis
É
unanimidade entre os profissionais da área educacional de que existe
uma confusão entre os conceitos de educação e escolarização. A
educação, de origem do latim educare,
tem o significado de guiar, instruir, conduzir, ou seja, levar o
indivíduo para o mundo exterior, para fora de si mesmo, empregado no
sentido de preparar as pessoas para o mundo e para viver em
sociedade. Já a palavra escolarização, de acordo com o dicionário
Aurélio, é o ato ou efeito de escolarizar. É o conjunto de
conhecimentos adquiridos na escola.
Para
a psicóloga especialista em distúrbios de aprendizagem e
orientadora educacional do Colégio Salesiano Santa Teresinha, de São
Paulo (SP), Ana Tarcitano, a “educação é a formação de uma
pessoa, acontece durante toda a vida. É a transferência de valores
éticos e morais e é de responsabilidade dos pais. Já a
escolarização prepara a pessoa através do conhecimento que garante
a aprendizagem na construção do saber.”.
Na
mesma linha de pensamento, a pedagoga especialista em educação
especial na área de deficiência mental e psicopedagogia clínica e
institucional, Luciana Brites, ainda acrescenta a importância de dar
bons exemplos. “A gente não é o que fala. É o que faz. A
educação se dá através de exemplos. Não adianta ensinar uma
coisa e fazer outra totalmente diferente.”, explica. Para Luciana,
que é uma das fundadoras do Instituto NeuroSaber, de Londrina (PR),
na escolarização, o professor tem o papel de otimizar o
aprendizado. “A escola faz parte da educação. Ela reforça a
educação parental.”, conclui.
Com
23 anos de experiência na área da educação, a professora
pós-graduada em consciência fonológica e tecnologia aplicada à
educação, Janaina Spolidorio, define que a educação é um
processo bastante longo e complexo. “Todos os eventos que fazem
parte da formação de um indivíduo contribuem para sua educação,
que na verdade é adaptável ao ambiente. Dependendo do ambiente em
que estamos, nos comportamos de maneiras diferentes, temos respostas
diferentes para cada situação. Saber adequar o comportamento aos
ambientes e situações é o que compõe, basicamente, a educação.”,
explica. Já a escolarização refere-se aos saberes escolares,
“aqueles que estudamos durante nossos anos na escola. A educação
transparece, a todo momento, de modo bastante aparente nas pessoas,
em seus comportamentos, mas a escolarização é utilizada quando
necessário”, argumenta.
Algumas
famílias têm dificuldades de entender o seu papel
Mesmo
com toda essa diferença apontada pelos profissionais da educação,
ainda existem muitas famílias que não entendem o seu papel na
educação dos filhos e acabam transferindo esta tarefa para a
escola. Mas porquê isso acontece?
Em
suas palestras, o professor, filósofo e escritor Mario Sergio
Cortella, afirma que muita gente confunde educação com
escolarização. Ele defende que educação é a formação de uma
pessoa e que esta é tarefa da família. Enquanto a escolarização é
um pedaço da educação e é o papel da escola. Para Cortella, se a
família não cumpre o papel que lhe cabe, a escola não dará conta.
Ele defende que a escola deve fazer uma parceria com as famílias
para formar os pais, pois acredita que uma parcela deles está
perdida.
Janaina
afirma que as mudanças no acesso à informação e no núcleo
familiar das últimas décadas desencadearam uma crise no paradigma
educacional. “Vivemos tempos em que a informação é muito rápida
e temos um acesso extremamente aberto a tudo. Há algumas décadas,
com menos estímulos e com um núcleo familiar mais tradicional, no
qual muitas mães ficavam em casa, educar fazia mais parte da tarefa
da família.”. Segundo ela, com o passar do tempo, as famílias
foram se transformando, se tornando variadas. O avanço da
tecnologia, especialmente com a internet, permitiu uma abertura muito
grande às informações, trazendo novos comportamentos na sociedade.
“Muitos pais não sabem como lidar com diversas questões
relacionadas à educação e que devem fazer parte da vida dos
filhos. Por falta de um parâmetro, por não saber exatamente o que
ensinar, acabam transferindo esta responsabilidade, muitas vezes,
para a escola.”, explica.
Para
o psicopedagogo, psicanalista e mestre em educação, Daniel
Castilhos, “atualmente os pais estão delegando a educação pelo
fato de negarem o seu papel neste processo que é intransferível,
pois esta função demanda um desgaste psíquico e pressupõe olhar
para e si e para este sujeito que está sendo construído.”. Ele
exemplifica falando sobre a diferença que tem para um bebê que
chora inúmeras vezes à noite ser acolhido pelos pais ou por uma
babá. “Os pais podem explicar para o bebê o que ele sente a
partir dos seus sentimentos familiares. Possibilitando, assim, que
este bebê possa se reconhecer, se filiar a estes pais e produzir a
sua identidade”.
Doutora
em psicologia escolar e do desenvolvimento humano, Lilian Bacich,
fala sob o ponto de vista de mais de 30 anos de experiência como
professora e coordenadora: “Acredito que mais do que uma
dificuldade de compreensão, vemos a escola também assumindo
responsabilidades que são essenciais para que as famílias possam
exercer seu papel na sociedade, no mercado de trabalho.”, afirma.
Ela explica que as crianças, há 20 ou 30 anos, começavam a
frequentar a escola com 6 ou 7 anos. Hoje, entram com 4 meses e,
algumas, passam o dia inteiro na instituição. “Será que a escola
pode, numa situação dessas, esperar que apenas a família ensine a
criança como respeitar e ouvir o colega se, em casa, a criança não
convive com pares da mesma faixa etária?”, questiona. “Considero
que cada vez mais há uma necessidade de diálogo, entre escolas e
famílias para que esses papéis sejam compartilhados no que for
preciso e tenham suas especificidades, principalmente em relação
aos valores, que são característicos de cada família.”.
Juliano
Costa, diretor pedagógico da Pearson Brasil, cita o estudo
Behavioural
Insights for Education: A practical guide for parents, teachers and
school leaders, elaborado
pela empresa sobre comportamento escolar e parental. Ele mostra que
os ambientes de aprendizagem promovidos pelas famílias no espaço
doméstico têm um impacto de até 17% no aprendizado das crianças
na escola. “Ambientes mais desafiadores, com um modelo mental
focado no crescimento da criança e na responsabilidade por suas
ações cotidianas, são extremamente saudáveis para o
desenvolvimento infantil e adolescente. Porém, em virtude do
preciosismo de algumas famílias, por terem apenas um ou dois filhos,
esse tipo de atitude recai completamente sobre a escola.”, lamenta.
As
consequências quando há uma falha ou ausência da educação
familiar
Para
a psicóloga clínica que trabalha com crianças, adolescentes e
orientação a família, Fabiana de Laurentis Russo, “a criança
entende que limite é cuidado”. Ela defende que a educação que a
criança recebe no núcleo familiar com valores, princípios, regras
e limites, são extremamente importantes para sua formação. “Quando
isso não acontece da maneira adequada começam os problemas: a
criança ganha rótulo de ‘criança-problema’, sofre pressão da
escola e dos pais, desenvolve uma baixa auto-estima, tem baixo
rendimento escolar e piora seu comportamento para chamar atenção. É
como um pedido de socorro”, explica.
O
mestre em educação e diretor do Colégio Arnaldo Funcionários, de
Belo Horizonte/MG, Geraldo Junio dos Santos, explica que quando há
falha na educação familiar, a família abdicará do seu papel
formador de cidadão, em especial dos valores familiares e culturais
próprios de sua história. “O perigo é que o valor, do latim a
riqueza, que os filhos levarão consigo não será tão precioso. Ou
seja, corre-se o risco da riqueza cultural da família não ser
passada para a nova geração e morrer conjuntamente com os
progenitores.”. Ele alerta que, desta forma, restará para a nova
geração, a construção de seus próprios valores que poderá ser
realizada através de outras instituições como a escola, igreja ou
apenas pelos amigos, sem falar no risco daqueles que recorrerão ao
mundo virtual para responder a sua essência.
Os
principais motivos para as falhas na educação familiar
Para
Geraldo Junio, o
problema maior, está relacionado ao tempo que os pais passam com os
filhos. “Trazê-los para fora de si a partir dos valores em que os
pais foram educados requer tempo e diálogo permanente e, muitas das
vezes, esse período é consumido pelo trabalho. Mas, mesmo assim, a
decisão final de colocar a importância nas coisas dentro da vida,
os filhos ou o trabalho, é uma decisão dos pais.”.
Ana
Tarcitano também acredita que o problema é o tempo e soma a ele a
desinformação da família. “As duas coisas estão envolvidas. Na
tentativa de diminuir a culpa pela falta de tempo, preferem não
entrar em conflitos com os filhos, atendendo as suas vontades. A
desinformação também prejudica, pois muitas vezes não sabem ao
certo suas funções na formação psicossocial dos filhos.”,
explica.
Já,
para a psicopedagoga e mestre em educação Daniela Felix Castilhos,
a falha na educação familiar é um problema social. “Os pais
possuem a informação de que o tempo dedicado aos filhos têm a ver
mais com qualidade do que com quantidade. Porém para que se tenha
qualidade, há algo de uma disponibilidade pessoal que não é
matemática. Não é apenas sentar ao lado do filho e jogar
videogame, ou sentar com o filho para fazer os temas, mas sim de
transmitir a respeito de como se vive a vida.”, defende.
Qual
a solução?
Observa-se
que o problema de confundir educação com escolarização existe, é
percebido pelos profissionais da educação, mas muitas vezes
ignorado pelos pais. Mais do que esclarecer as diferenças entre os
dois termos, é preciso ampliar o diálogo da família com a escola
para que essa realidade mude. Não se trata de buscar culpados e sim
soluções. Os mais prejudicados com o não entendimento correto dos
termos são os alunos que, muitas vezes, acabam tendo uma falha na
educação que pode trazer prejuízos para a vida inteira.
Para
Janaina Spolidorio, a escola pode promover oficinas ou cursos de
formação nos quais auxilia os pais a lidarem com suas dúvidas em
relação à educação dos filhos ou como proceder para ser parceiro
na formação da criança, em relação à escola. Conversas com a
família, diálogos mais frequentes sobre valores humanos com os
alunos também podem agregar muito valor e resultados positivos.
Pensamento semelhante tem Lilian Bacich. Segundo ela a abertura para
o diálogo entre educadores e pais é um passo importante para
garantir a aproximação e, dentro das especificidades, não ocorrer
uma divisão de papéis, mas uma somatória, um compartilhamento de
ações para a formação integral dos estudantes.
Matéria publicada no jornal Gazeta do Povo
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